Palavras

Intimidade
Que seja assim! Tardes que caem para que nasçam as noites. Acordes que terminam para que a pausa prepare o som que virá. A vida e seu movimento tão cheio de sabedoria. Que seja sempre assim! Esquinas que dobramos com o desejo de alcançar outras esquinas. Depois da chuva, o frescor. Tudo prepara uma forma de depois, como se o agora fosse uma passagem constante que nos conduz com seu cordão invisível. Eu vou. Vou sempre. Não sei não ir. Minha curiosidade me move para dentro de mim. Sou um desconhecido interessante. A cada dia uma nova notícia me entrego. Eu  me dou em partes, como se devolvesse o que já sou, Àquele que me deu totalmente. Vivo pra desvendar. Esquinas; tardes caídas; manhãs que se levantam com o sol. Ando amando mais. Meus amigos são tantos; meus limites também. Cada vez mais padre, mais feliz. Eu sou sem medo de errar. Eu desejo a sacralidade de cada dia. Deitar no chão da existência é tão necessário. Eu me levanto mais devolvido, porque há muitas partes de mim esparramadas, caídas pelas esquinas da vida. Recolher-me é obra que faço por Deus. Estou em reformas. Deus o sabe. Ele é que tirou a primeira pedra. Tirou. Não atirou. Deus não sabe atirar. Prefere tirar. Eu deixo. Sou Dele. Quero ser sempre mais. Em partes, pra ser todo. Ele me devolve a cada dia. Eu também. Lição de casa que faço com gosto.
Vez ou outra Ele me olha nos olhos e me dita poemas. Fico tão encantado que até esqueço as palavras. Ele manda eu prestar atenção. Digo que não sei. Ele ri de mim. "Poetas são todos iguais" - conclui enquanto mexe no meu cabelo. Eu o vejo de perto, bem de perto. Por vezes sinto o desejo de lhe pedir o impossível, mas aí me falta coragem. Aí peço que me dê só o necessário. Ele me surpreende com medidas que não mereço. Fico mudo, sem dizer. Ele me socorre com seu sorriso. E de súbito, as palavras voltam a fazer parte de mim.

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Filhos da Páscoa
O Desatino das Inseguranças não faz Barreira às Esperanças
Da esperança, a dor, o sentido oculto que move os pés, o desejo incontido de ver as estradas se transformando, aos poucos, em chegadas "rebordadas" de alegria.
Ir. Um ir sem tréguas, senão as poucas pausas dos descansos virtuosos que nos devolvem a nós mesmos. Idas que não findam e que não esgotam os destinos a serem desbravados. Passagens, páscoa e deslocamentos.
Eu vou; vou sempre porque não sei ficar. Vou na mesma mística que envolveu os meus pais na fé, os antepassados que vieram antes de mim.
Vou envolvido pela morfologia da esperança; este lugar simples, prometido por Deus, e que os escritores sagrados chamam de Terra Prometida. Eu a quero.
O lugar sugere saciedade e descanso. Sugere ausência de correntes e cativeiros... Ainda que o caminho seja longo, dele não desisto. Insisto na visão antecipada de seus vislumbres para que o mar não me assuste na hora da travessia. Aquele que sabe antecipar o sabor da vitória pela força de seu muito querer, certamente, terá mais facilidade de enfrentar o momento da luta.
O povo marchava nutrido pela promessa. A terra seria linda; nela não haveria escravidão. Poderiam desembrulhar as suas cítaras, cantar os seus cantos, declamar os seus poemas. A terra prometida seria o lugar da liberdade. Mas, antes dela, o processo. Deus não poderia contradizer a ordem da vida. Uma flor só chega a ser flor depois que viveu o duro processo de morrer para suas antigas condições. O novo nasce é da morte. Caso contrário, Deus estaria privando o seu povo de aprender a beleza do significado da Páscoa.
Nenhuma passagem pode ser sem esforço. É no muito penar que alcançamos o outro lado do rio, o outro lado do mar... E assim foi. O desatino das inseguranças não fez barreira às esperanças de quem ia. O mar vermelho não foi capaz de amedrontar os desejosos da Terra, os filhos da promessa. Pés enxutos e corações molhados, homens e mulheres deitaram suas trouxas no chão; choraram o doce choro da vitória e construíram, de forma bela e convincente, o significado do que hoje também celebramos.
A vida cresceu generosa, o significado também.
Ainda hoje, somos homens e mulheres de passagens; somos filhos da Páscoa.
Os mares existem, os cativeiros também. A ameaças são inúmeras, mas haverá sempre uma esperança a nos dominar; um sentido oculto que não nos deixa parar; uma terra prometida que nos motiva a dizer: Eu não vou desistir! E assim seguimos juntos, mesmo que não estejamos na mira dos olhos.
O importante é saber que, em lugar deste grande mar de ameaças, de alguma forma estamos em travessia...

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O Menino e Sua Mãe no Colo - Poema
Descansa no meu colo a tua cabeça de mulher, deixa que eu seja o teu pai, ainda que por um instante. Vivamos o parto às avessas, eu que sou teu filho, por hora quero ser o teu pai, só pra ter o prazer de te ver a menina tão cheia de sonhos, só pra puxar os teus cabelos e nele, neles colocar laços bordados de alegrias, cores de tempos antigos, distantes, quando nem imaginavas que eu seria o teu filho. Vem aqui, fica quietinha, permita que eu cuide de tuas coisas, de teu guarda-roupa tão cheio de desordens, não importa, o remédio eu te trarei, o teu alimento eu plantarei e ajeitarei o teu travesseiro de um jeito que gostes, só pra descobrir a alegria de reverter os poderes do tempo e poder inverter a ordem dos fatos, só pra ter a graça de te chamar de minha filha, minha menina, minha mãe que é minha Aninha, só pra ter a graça de evitar os teus choros futuros, tuas dores constantes, teus medos tão delicados, medo de me perder, de que eu morra antes da hora e de que não estejas por perto, num momento que eu precisar de tua mão, como no passado quando me conduzias contigo, e como, como se fossemos um só, um nó de gente, amarrado e costurado no amor que sobrava do teu peito, que Deus esqueceu no muito e que eu vi de perto refletido nos seus olhos, quando a vida nos apresentava motivos para perder a esperança. Oh! Minha mãe, que saudade eu sinto de nós dois juntos.

*Fonte: CD "No Meu Interior Tem Deus"

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Uma Questão de Escolha
O coração anda no compasso que pode. Amores não sabem esperar o dia amanhecer. O exemplo é simples. O filho que chora tem a certeza de que a mãe velará seu sono. A vida é pequena, mas tão grande nestes espaços que aos cuidados pertencem. Joelhos esfolados são representações das dores do mundo. A mãe sabe disso. O filho, não. Aprenderá mais tarde, quando pela força do tempo que nos leva, ele precisará cuidar dos joelhos dos seus pequenos. O ciclo da história nos direciona para que não nos percamos das funções. São as regras da vida. E o melhor é obedecê-las. Tenho pensado muito no valor dos pequenos gestos e suas repercussões. Não há mágica que possa nos salvar do absurdo. O jeito é descobrir esta migalha de vida que sob as realidades insiste em permanecer. São exercícios simples... Retire a poeira de um móvel e o mundo ficará mais limpo por causa de você. É sensato pensar assim. Destrua o poder de uma calúnia, vedando a boca que tem ânsia de dizer o que a cabeça ainda não sabe, e alguém deixará de sofrer por causa de seu silêncio. Nestas estradas de tantos rostos desconhecidos é sempre bom que deixemos um espaço reservado para a calma. Preconceitos são filhos de nossos olhares apressados. O melhor é ir devagar. Que cada um cuide do que vê. Que cada um cuide do que diz. A razão é simples: o Reino de Deus pode começar ou terminar, na palavra que que escolhemos dizer. É simples...